Aniversário de criança. Festa, balões coloridos, bolo
de chocolate e brigadeiro. As crianças correm de um
lado para o outro. OS convidados não param de chegar.
Chega então uma criança, carregando cuidadosamente um
embrulho na mão:
- Oi Andréia! Parabéns!!
A aniversáriante, que antes sorria, fecha a cara e
diz:
- AIAI!! Já falei pra me chamarem de Francisco Cuoco.
- Ih desculpa! Esqueci! Olha, trouxe para você.
A menina então muda de expressão e começa a abrir o
presente avidamente, culminando numa indisfarçável
decepção:
- Poxa... a Nossa Senhora eu já tenho...
A criança que tinha dado o presente diz então,
despreocupadamente:
- Ah, mas você pode trocar pelo Santo Antônio ou sei
lá, algum outro santo que você não tenha. - a diversão
da aniversáriante era brincar com santos, como se
fossem bonecas. Eles iam trabalhar, namoravam, tinham
filhos, andavam de ponei e conversavem. Não era raro
ver a Nossa Senhora saindo para jantar com o Ken ou
algo do tipo.
Francisco Cuoco volta a sorrir mais tranquila:
- Ahhhh então tá!! Vou ver se eu acho o Santo
Expedito, que eu não tenho ain...
Mal termina a frase e entra na sala uma outra
criança, com ar cansado, e vai se arrastando até o
sofá:
- Aiai, estou estafada - diz a pequena Julieta,
enquanto senta e se acomoda no móvel, com as perninhas
balançando de não alcançar o chão.
As duas que conversavam anteriormente olham e saem,
sem dar muita bola para menininha suspirando no sofá
da sala. Afinal, ninguém entendia muito o vocabulário
avançado de Julieta. Uma vez ela se irritou com um
amiguinho que puxava sempre seus cabelos e passou a
chama-lo, toda vez que o via, de hermafrodita. No
começo todos estranhavam e se perguntavam "mas o que
será hermafrobita?", mas com o tempo os outros amigos
passaram a não ligar muito.
Salgadinhos vão, refrigerantes vem, e a festa vai
passando. Chega então a hora do parabéns. As luzes se
apagam. De repente, um pouco antes de começarem a
cantar, ouve-se o grito de uma menina.
- Maldição!!! Fui envenenada!!!
Acende-se as luzes. A menina parada, o copo de
guaraná jogado no chão. Calmamente ela sai andando,
para dentro da casa. Só se ouve um sussurro, de quem
quer esconder a pergunta:
- Mãe, por que a Paula sempre diz que foi
envenenada??
- .......
E era verdade. Paula vivia repetindo isso. As
crianças tinham medo, por isso não perguntavam nem
comentavam nada com ela. Aliás, Andréia/Francisco
Cuoco, Julieta e Paula eram meio marginalizadas. Os
amiguinhos as achavam estranhas. Tentavam uma
convivencia, tanto que estavam na festa de Andréia,
mas não conseguiam entender certos hábitos que fugiam
da rotina deles. Mas pra elas não importava muito.
Andréia tinha dificuldades em convercer os outros a
lhe darem santos, não bonecas. Paula estava sempre
envenenada e Julieta sempre estafada. Mas mesmo assim
elas viviam felizes, cada uma no seu mundinho bizarro.