Epílogo
Queria pintar uma porta. Escolheu a janela mais ensolarada e sentou-se, munida do mais caro cavalete. Diante da tela branca, pensou. Pensou por anos e anos. Estudou tintas, variações de cores, luz, formas e sintaxes. Descobriu, maravilhada, a metonímia, a metáfora, a ironia. Leu os mais profundos escritos, virou madrugadas se perturbando com sentimentos e sofrimentos alheios. Encharcou-se de café por dias e noites, aguardando o momento pregnante. Um dia acordou bem cedo e pintou a porta mais iluminada do mundo. Após acabada a tela, virou a caneca de café (que sabia não ser a última), largou as tintas de lado, abriu a tal porta e foi-se. De uma vez, exalando um odor de graça e leveza tão natural que nunca incomodaria um desavisado. Passou pela porta e quando viu o que tinha lá dentro sorriu, seguindo seu caminho. E ainda deixou-a aberta, caso alguém se interessasse.