Eu sou um apanhado de tristeza e culpa, que todo dia sai de casa exsanguinando vagarosamente, pingando, deixando rastros, traços pelas ruas e ônibus, indo a contra gosto trabalhar. Chegando finalmente morro, branca, pálida, vazia, até a hora de sair. Aí eu durmo até o dia seguinte, que é quando meu corpo se recompõe. É nos sonhos que eu vivo, nas 2 horas entre a hora que acordo e a hora que começo novamente a gotejar toda a vontade de viver.
As paredes da minha casa tem pegadas e marcas de mão, de quando eu não quero ir e tento me segurar. Mas não adianta, meu sangue já começou a pingar e eu não consigo estancar. Meus olhos ensaiam lágrimas e procuram pelo caminho uma solução, mastigam a mesma vista todo dia, a mesma refeição pré morte, o café com leite e pão com manteiga que os exsanguinadores tomam pela manhã, todos gotejando tristemente pelos ônibus, pelas ruas, correndo, escorrendo, esperando, tentando se agarrar nos postes e paredes enquanto vão.
Ninguém sabe, ninguém sabe o que se passa aqui dentro, porque é como tirar a roupa: íntimo. É lento: doloroso. Definho e escorro, choro, rosno e ameaço. Pra onde vou, não sei. Da onde vim, sei não.
Todo dia eu só penso em poder parar, todo dia eu só penso em dizer não.